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por Oldfox, em 30.05.14

UNIVERSO PROGRAMADO, uma Entrevista a MIGUEL RIBEIRO

 

 

"Universo Programado. Uma Alternativa ao Darwinismo e à Religião", por MIGUEL RIBEIRO. Prefácio de António Damásio. O livro, escrito em Inglês, foi traduzido para português e editado pela Gradiva, Lisboa.

Entrevista conduzida por Helena Vasconcelos, seguida de nota biográfica do autor.

"O autor sustenta que o acaso é incapaz de realizar tanto o universo como a vida e defende a tese do universo enquanto jogo de computador." Do texto de apresentação da editora

 

Um Universo Alternativo?

 

Helena Vasconcelos – O que o levou, como médico com uma longa prática, a embrenhar-se na investigação?

Miguel Ribeiro – Nos 11 anos que trabalhei na África do Sul segui um percurso académico (interno de especialidade, especialista e consultor de Medicina Interna) em hospitais universitários onde o lema era "publish or perish". Contudo, obcecado na altura com a fotografia médica, o único artigo que jamais publiquei foi uma revisão ilustrada sobre ginecomastia, e só por causa dos extraordinários exemplos de que dispunha. Por outras palavras, nunca senti que tivesse alguma coisa a acrescentar em Medicina.

 

H.V. –  Mas decidiu enveredar pela investigação e , finalmente, publicar. Como foi a "gestação" deste livro?

M.R. De forma bastante súbita, no início de 2010, senti que tinha qualquer coisa a dizer no que respeita a biologia. Tudo começou em finais de 2007 quando me virei para livros e  programas de TV de divulgação científica para passar o tempo durante a digitalização dos perto de mil negativos fotográficos que usei para sequenciar fotografias em vídeos curtos com música. Esses livros e programas foram criando em mim, gradualmente (eu que, desde a adolescência, sempre me considerei um darwinista agnóstico) a crescente sensação de que o neo-darwinismo era uma interpretação simplista da prodigiosa complexidade da vida. A ideia da necessidade de um programa no "ADN-lixo", que não está sujeito à selecção natural, estimulou-me a aprofundar a pesquisa e prosseguir uma linha de pensamento.

 

H.V. – Pondo em causa o neo-darwinismo, qual é, na sua essência, a base da sua argumentação nesta obra?

M.R. – Dedico uma boa parte do livro à tentativa de demonstração de que o acaso é incapaz de gerar complexidade, em última análise que o acaso é incapaz de explicar a origem e a evolução tanto do universo como da vida. O universo é cada vez mais visto como informação e, além disso, é regido por leis e equações matemáticas incompatíveis com uma origem ditada pelo acaso. Por outro lado, o universo evolui para a complexidade o que, sem um programa, viola os princípios da termodinâmica que dita que todo o sistema, fechado espontaneamente, tende para a desorganização progressiva. Mas o universo está preso à aleatoriedade pela extrapolação da mutação pelo acaso – a mutação, o motor da evolução, foi interpretada como um erro de cópia do ADN, portanto um fenómeno intrinsecamente aleatório. 

 

H.V. Quais são as implicações deste dilema?

M.R. Isso implica que, para podermos preconizar um universo programado, é necessário demonstrar primeiro que a mutação é programada – esta é a tese central deste livro e a área de principal enfoque. Curiosamente a literatura darwinista contém toda a informação que valida a tese do genoma como software. A minha convicção é que a premissa da aleatoriedade actua como um preconceito intransponível – o abdicar da aleatoriedade desperta o inaceitável espectro dum criador, significa capitular após séculos de contenda com a religião. Assim, de cada vez que a ciência se depara com um fenómeno obviamente inconciliável com a evolução por tentativa e erro, este  acaba por ser incorporado na teoria, sob a justificação de que ao longo de milhares de milhões de anos a evolução engendrou a forma de realizar esse ou outro fenómeno ou salto evolutivo.

 

H.V. – Pode esquematizar esse pressuposto?

M.R. Sim. Esquematicamente sumarizo assim os argumentos: a) o argumento probabilístico: no livro demonstra-se que a probabilidade de se obter uma única mutação especificada no genoma teorizado como o mais simples para uma bactéria autónoma é muitíssimo mais remota do que a probabilidade de retirarmos pelo acaso um átomo predefinido de todos os átomos do universo. b) O argumento "informático": a regulação da mutação (incluindo a mutação adaptativa e as "maquinarias genéticas"), os códigos que regem a comunicação da informação na biologia, um ADN lixo funcional, etc. c) a mudança de paradigma representada pela emergência da vida e pela senciência.

 

H.V. Apesar da aparente crueza da ideia que faz dos seres humanos – seríamos, portanto um mero invólucro onde funciona um computador –  é visível, no seu livro, uma admiração pelo ser humano, por aquele que transcende a sua mera condição de "máquina", principalmente pela sua capacidade de "criar". Estarei certa ao apontar que certos trechos do seu livro são atravessados por uma componente poética? Será por ser também um artista, um fotógrafo inspirado?

M.R. – Repare que vivemos num cosmos brutal que evolui para a complexidade pela tensão de contrários numa lógica de incessante destruição parcial e de regeneração. A contrapartida na vida de tal sistema é a competição versus cooperação, impostas  respectivamente por "a vida alimenta-se da vida" e pelo facto dos seres vivos (das bactérias aos humanos) se realizarem em sociedade, como superorganismos; a morte e as extinções completam o quadro. Dramático em si mesmo, não é verdade? É natural que da leitura dessa descrição advenha esse seu sentimento.

 

H.V. – Nestas questões volta-se sempre – ou parte-se de – à revolução criada por Darwin. Ainda hoje, dois séculos depois, a polémica continua. Qual foi o maior "erro" de Darwin?

M.R. – O erro de Darwin foi o ter investido a selecção natural de um papel decisivo e criativo na evolução da vida. Do meu ponto de vista a evolução é programada e, neste cenário, a selecção natural não tem outro papel a não ser o de apurar a robustez das espécies.

 

H.V. Foi por essa razão que sentiu a necessidade de dar um "forte abanão" ao status quo?

M.R. – Não senti necessidade de abanar o status quo. Senti necessidade de exprimir o meu ponto de vista por achar que o dogma vigente não pode estar certo.

 

H.V. – Sei que não está sozinho neste território. Tem trocado impressões com outros cientistas que, aliás, cita no seu livro? Formam uma "casta" à parte? São apoiados ou fortemente rebatidos, contrariados?

M.R. – Não é bem isso! No meu livro apresento, no fim do primeiro capítulo, uma selecção de citações, todas de cientistas darwinistas, mas que denunciam a sua perplexidade perante fenómenos que não são passíveis de serem explicados no contexto da interpretação neo-darwinista da evolução.

 

H.V. – Deixa transparecer, no seu livro, um certo desapontamento em relação à falta de audácia de certos investigadores quando se deparam com este tema. Será por questões éticas? Religiosas? Sociais? Políticas? Ou por medo de questionar crenças muito arreigadas?  

M.R. – Não exprimo nenhum desapontamento. É uma reacção profundamente humana, tem que ver com a nossa mente tribal que, apesar de geradora de conflito, tem provado ser adaptativa – possivelmente com a globalização vai deixar de o ser. A fidelidade aos valores do grupo inibe o questionar e até a racionalidade, e convida à rejeição da novidade, sobretudo se esta for fracturante e ainda mais se vier de fora do grupo. Tem sido a história do homem e, por isso, também a da ciência ao longo dos séculos: para além do confronto com a religião há sempre o não menos aceso debate interno. Contudo, sob pena de parecer arrogante, antecipo que dentro de alguns anos quando se olhar para trás, para os dias de hoje, parecerá estranho que a ciência, já no século XXI,  tenha podido atribuir ao acaso um poder criativo que culmina na génese e evolução do universo. Uma flutuação quântica que deu origem a um cosmos em evolução para a complexidade, no qual emergiu vida e consciência, parece-me equivalente a, perante um ecrã de TV, acharmos que o programa que está a passar se pode ter auto-gerado a partir duma faísca eléctrica.

 

H.V. – Tem a elite dos pensadores contemporâneos – António Damásio, por exemplo, ou João Lobo Antunes, que apresentou o livro em Lisboa, no Museu Arpaz Szenes/Vieira da Silva – a apoiarem-no. Acha que esse facto ajudará a mudar alguma coisa, através do seu livro? 

M.R. – António Damásio é de uma extrema generosidade, apoiou-me de várias maneiras ao longo do último ano e meio, contribuiu com um pequeno mas poderoso comentário para a contracapa  e considera este livro "importante sob vários aspectos". João Lobo Antunes é religioso, não concorda com a minha visão das coisas – mas teve grandeza e abertura de espírito para achar intelectualmente interessante a abordagem e aceitar fazer (brilhantemente) a apresentação do livro.

 

H.V. – Tem algum receio de reacções hostis às suas teorias por serem tão revolucionárias? Ou acha que, mesmo que estas surjam, valeu a pena?

M.R. – Sim, num domínio que lida com as convicções profundas de cada um, não estou nada à espera de ser recebido aos abraços com um livro potencialmente tão polémico: por um lado advoga uma visão da evolução que é diferente da darwinista e por outro, se no domínio em que o programa foi gerado um programa exige um programador, esse programador é uma entidade distinta do Deus das religiões – essa presumível entidade é elaborada no livro.

 

Miguel Ribeiro nasceu em Lisboa, a 18 de Agosto de 1952, é Fellow do College of Physicians of South Africa e especialista de medicina interna. Exerce medicina privada em Lisboa. 

A par disso, dedica-se à fotografia. Como fotógrafo, as suas exposições individuais incluem: Berliner Medizinhistorisches Museum, Berlim, Out. 2003-Fev. 2004, 54 fotografias; Abstract Body, IPSAR, Roma, Jun. 2010, 59 fotografias e 7 vídeos; Abstract Body, Società Umanitaria, Milão, Set. 2010, 55 fotografias. As participações em exposições colectivas incluem: Museu l’Elisée em Lausanne, The Century of the Body, Set.-Dez. 2000, 5 fotografias; Paris Photo 2002, 4 fotografias; Musée de la Civilisation, Quebec, Parole de Peau, Nov. 2002-Jul. 2003, 4 fotografias; Bienal de Nancy (Abril 2006), 1 fotografia; Beauty, What For, Buenos Aires, inverno 2006, 1 fotografia; Darkside II, Fotomuseum Winterthur, 2009, 1 fotografia.

Os seus trabalhos fotográficos surgiram ainda nas publicações The Century of the Body, 1 fotografia; Sleep, 4 fotografias; calendários de 2005 e 2011 da Buhl Collection (EUA), fotografia; Darkside II, Fotomuseum Winterthur 2009, 1 fotografia; NEJM; British Journal of Photography; The Independent; Basler Magazin; Die Zeit(artigo de página inteira sobre exposição de Berlim); Der Tagesspiegel; Berliner Artz; Berlin Kultur; Medisch Vandaag; etc.

(ver website: www.miguelribeirophoto.com).

 

 

 

 

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publicado às 17:22


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