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"Estou velho, estou velho"
Falstaff em Henrique IV
Acto II, Cena 4, Linha 1562
Se há alguma coisa que me dá felicidade – para além do óbvio – é a leitura do velho William Shakespeare. É melhor do que qualquer droga – somos atirados para um mundo vasto e tão impetuoso que mal podemos parar para respirar – e mais interessante do que qualquer outra actividade. As personagens "vivem" em todo o seu esplendor junto de nós, tão perto que lhes sentimos o bafo doce ou acre, sulfuroso ou perfumado. Não há emoção, sentimento, pulsão, desvario que lhes escape, dos mais nobres aos mais mesquinhos. Hegel observou que as personagens de Shakespeare são " livres artistas de si próprios" e essa dimensão confere-lhes um atractivo e uma sedução avassaladoras. Não há gente perfeita, heróis impolutos, virgens imaculadas, intenções óbvias. William Shakespeare, o génio laico, o criador infindável, também nos insere na História, esse longo caudal, esse magma de onde todos emergimos. As leituras são viagens interplanetárias porque cada peça revela o território de um cosmos. E quando surge uma colecção como esta, fico espantada por não ver páginas de jornais e revistas, bem como longos minutos televisivos a dedicarem-lhe todo o tempo e a análise que merece.
Trata-se da colecção "Projecto Shakespeare" que resulta de um protocolo estabelecido entre os membros do grupo de investigação Shakespeare e o Cânone Inglês, do CETAPS – Centre for English, Translation and Anglo-Portuguese Studies (pólo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto), e a editora Relógio D' Água e tem como objectivo a publicação da tradução integral da obra do bardo inglês. E, para começar, aqui fica a indicação da tradução da peça histórica HENRIQUE IV – 1ª e 2ª partes – pelo professor Gualter Cunha que também escreve um valioso prefácio.
"Henrique IV" supõe-se que foi escrita (1ª parte) cerca de 1597 – a 2ª parte terá ficado pronta cerca de 1599 – e cobre o tempo histórico das lutas pelo poder entre 1402 e 1403. Foi sempre uma peça extremamente popular e cuidadosamente estudada – uma nota especial para Samuel Johnson. Nela surgem dois dos emblemáticos seres do universo shakespereano, o " príncipe Hal (Henry)" – futuro rei Henrique V – e a grandiosa e complexa figura de Falstaff – esse nobre vaidoso e obeso, cobarde e gabarolas que arrasta o príncipe para as suas eternas complicações – e que, só por si, "preenche" muito satisfatoriamente o nosso imaginário. Mas é preciso ler com atenção esta magnífica história onde afectos e companheirismo se confundem e se cruzam com os embates brutais pelo poder.
Esta edição é de Julho, 2013, Lisboa.