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Num texto intitulado "Arte e Neurose", o escritor e crítico literário americano Lionel Trilling ( 1905-1975), analisa a questão da saúde mental, (ou falta dela), do "artista". É claro que essa ideia do criador demente - principalmente poeta mas também pintor, romancista, músico...a puxar os cabelos, a arrancar as vestes aos uivos, vagueando no nevoeiro ou suicidando-se numas águas-furtadas miseráveis - veja-se o exemplo do pobre Thomas Chatterton que inspirou legiões de amantes do auto-envenenamento, para não falar do desgraçado Werther, sempre em estado de privação até ao tiro final - vem direitinha do movimento romântico. Ainda hoje persiste, em alguns sectores, a convicção de que um artista, para merecer esse epíteto, tem de sofrer, ser pobre, "maluco" e nunca, mas nunca, ter sucesso em vida. Trilling refere esse facto, dá a necessária, mas ultra benévola, palmada ao tio Sigmund - " já tentei noutro lugar ("Freud and Literature") separar exaustivamente o útil do inútil e até do perigosamente enganador," escreve, referindo-se à enorme importância da psicanálise nos estudos literários e também aos equívocos que tem criado - e continua, com o seu humor habitual, a analisar a mais ou menos estreita afinidade entre os criadores artísticos e as ditas perturbações mentais. O ensaio em questão encontra-se em "The Liberal Imagination", onde, como noutras obras, é possível observar, com enorme prazer, a mente do autor a funcionar. Triling, tal como outros críticos literários da sua geração, participaram activamente na política e nas actividades intelectuais do seu tempo e, com a sua mulher Diane Trilling, integrou o naipe de luxo dos que colaboravam activamente na Partisan Review, essa publicação lendária, fundada por William Phillips, Philip Rahv e Sender Garlin, onde "estrelas" como Hannah Arendt, Saul Bellow, Clement Greenberg, Elizabeth Hardwick. Mary McCarthy e, sim, também, Susan Sontag ( e muitos mais) deixaram contributos valiosos e interporias. Nessa "idade de ouro" do pensamento e da acção, os críticos literários chamaram a si uma intervenção política, intelectual e social. Quero eu dizer que não se ficavam pela alegre leitura de obras e subsequentes duas colunas - agora, um luxo! - de respectiva apreciação escrita. Para estes pensadores (as), as grandes obras literárias e os seus autores não serviriam apenas para dar prazer - o que, por si só, já seria um grande feito - mas obrigavam a uma análise exaustiva e a uma intervenção fulgurante.
A que propósito vem todo este arrazoado, perguntar-me-ão? Eu digo, eu falo, eu conto: ao contrário do século XIX - em que a excentricidade e a loucura dos artistas eram um "must"- vivemos agora um tempo em que os criadores - no Teatro, no Cinema, na Literatura, na Música, nas Artes Plásticas - parecem ser os únicos com sanidade mental num País de loucos varridos, em que pseudo-governantes, financeiros, políticos, banqueiros e outras categorias antropológicas pouco apelativas embarcaram há muito num carrossel de disparates.(Ah! e não me venham com a ideia, mais do que ultrapassada (século XVIII/XIX, lembram-se?) de que o (a) artista não precisa de ser remunerado(a), uma falácia de que muitos se aproveitam como se a actividade cultural fosse um passatempo e não um labor intenso!)
Por tudo isto declaro que o único espaço não contaminado da “polis” é, realmente, o da Cultura, da Arte. Só os artistas e agentes culturais resistem realmente, e em força, a esta força maligna que nos afoga e empurra para uma fundura de desesperança, de mediocridade e de medo. Só com eles (elas) é possível encontrar prazer, alegria, energia, beleza, e um sentido para a Vida... o que quer que isso possa significar!